24 de jun. de 2010

DISLEXIA E MATEMATICA

  • DISLEXIA E MATEMÁTICA
    Inicialmente vamos esclarecer o que é ter dificuldades em matemática. As pessoas geralmente falam que não se saem bem em matemática, quando de fato querem dizer que apresentam dificuldades em aritmética. A aritmética é uma parte da matemática, está associada aos raciocínios lógicos, perceptivos e sensoriais: formas, tamanhos, espaço, dimensão e quantidade.
    Alguns disléxicos têm problemas com aritmética e outros aspectos da matemática, assim como com a linguagem escrita. 
    A incapacidade de compreensão dos números e das operações, também chama-se discalculia e portanto está ligada a dislexia.
    Muitos disléxicos têm dificuldades para adquirirem rapidez e fluência em simples cálculos: adição, subtração, multiplicação, divisão e na tabuada, mas eles poderão ter, não obstante, boa habilidade em matemática.
    Este fato acontece porque não há áreas do cérebro que só se ocupem especificamente da leitura e soletração. As áreas usadas para a linguagem escrita são usadas também para outros materiais simbólicos, incluindo números, fórmulas, gráficos, diagramas, espaço-tempo, etc. 
    Assim, se há um problema nessas partes do cérebro, será afetado o processamento eficiente de qualquer material simbólico, linguagem e matemática incluídos, significa que as falhas em uma área de aprendizagem podem estar freqüentemente vinculadas a falhas em outras áreas.
    O propósito da intervenção baseia-se na estimulação da aprendizagem nas seguintes áreas, manipular, seriar, classificar, transportar, juntar, copiar. Portanto falamos em desenvolver o pensamento pré-operacional e operacional, segundo Piaget.
    Para entendermos melhor, vamos ver quais são as semelhanças superficiais entre a linguagem escrita e a matemática:
    • ambas são linguagens representadas por símbolos que apresentam pequena ou nenhuma relação com as situações e eventos que eles descrevem. Portanto usar uma letra /a/ ou um número /4/ é uma representação simbólica igualmente. Pouco ou nada tem haver com a representação concreta.
    • os dois símbolos( letras ou números) têm estruturas e requerem uma ordem e seqüência para serem usados eficientemente.
    • os dois requerem facilidade verbal, para uma aprendizagem fluente e memorização. Memória a curto prazo é também importante para ambos.
    Essas são só algumas das semelhanças entre linguagem e matemática. Quando nós consideramos tudo isso, não é surpresa que indivíduos com dificuldades na linguagem do tipo da dislexia tenham freqüentemente dificuldades em matemática.

    Encontramos dois subgrupos de disléxicos que apresentam dificuldades em matemática:

    1. Aqueles que compreendem os conceitos mas são incapazes de representá-los no papel, isto é, eles sabem que processo ou operação usar, mas não conseguem fazê-lo com precisão. Por exemplo: Compreendem uma situação problema, sabem até que operação deveriam fazer, mas não conseguem “traduzir” na escrita.

    2. Aqueles que têm pouca ou nenhuma idéia porque os números ou símbolos são usados. Essas pessoas não compreendem os conceitos subentendidos em matemática.

    Os resultados das pesquisas em dislexia e matemática variam consideravelmente, e uma estimativa conservadora, baseada em estudos iniciais (Joffe, 1981), sugeria que quase 60% dos disléxicos têm alguma dificuldade em matemática, dois terços dos disléxicos encontram-se na faixa etária entre de 8 a 14 anos, 11% dos disléxicos são excelentes em matemática e 29% tem bom desempenho.


  • OBSERVANDO, ENTENDENDO E TRABALHANDO AS DIFICULDADES

    Vamos observar o processo de raciocínio da pessoa, para entender seu estilo cognitivo de aprendizagem,só então intervir de maneira adequada:


    • A criança está tendo inabilidade para contar números para trás ou para frente de dois em dois ou de três em três. Salta a numeração, desorganiza-se, fica nervosa, logo quer desistir. A ansiedade, o medo de errar, começam a instalar-se na vida afetiva da criança, temos que ter o cuidado para proporcionar uma forma de sucesso, melhorando a auto estima e confiança. Este comportamento aparece com freqüência, pela fragilidade de percepção corporal-espacial, como conseqüência alterações na orientação, lateralidade e seqüência. Exercícios que ajudam: dê os vizinhos (usando como apoio uma régua numerada), jogos que usem dados, dominó, resta um, dama, ludo, brincadeiras e atividades desportivas. Resumindo, atividades que exercitem movimentos para frente e para trás, mas sempre de forma lúdica e divertida.

    • O aluno numa conta de adição: 8 + 3. Geralmente começaria a contagem de oito, porém o disléxico vai começar do 0 ou 1, 2, 3,4... até chegar no oito e depois começar: 0 ou 1, 2, 3. Isto ocorre freqüentemente pela falta de compreensão dos traços gerais do número, da ordem, estrutura seqüencial. Eles precisam sempre do referencial (início, meio e fim). Usar os dedinhos, palitos de sorvetes, palitos de fósforo, clips, contas, canudinhos, contador, ábaco...

    • Este mesmo comportamento pode acontecer numa conta de multiplicação: 3x 4. Ele irá começar por 3 x 1,... É importante ensinar a multiplicação como uma adição simplificada. Usar um modelo concreto. Precisamos mostrar o modelo mental na prática, nunca decorar a tabuada mecanicamente. O que precisamos ensinar é como se chega ao resultado. Por exemplo:
    x 5 = 15
    Tenho três vezes o número cinco. Coloco um desenho representando o processo. Manter sempre a unidade e dezena nos lugares correspondentes:

    • Usualmente a criança com dislexia poderá fazer confusões nos sinais (+) da adição e (x) da multiplicação. Sugiro usar cores diferentes para destacá-los. Mas a cor deverá sempre ser padronizada.

      Às vezes mesmo com todo auxílio concreto a criança com dislexia poderá continuar apresentando dificuldades em realizar a tabuada. É útil reconhecer esta limitação e fornecer materiais que auxiliem o trabalho mental. O uso de réguas numeradas, calculadoras, tabuadas confeccionadas pela própria criança, é muito mais eficiente, do que manter uma angústia do não conseguir realizar um cálculo mental.

    • O valor da posição das casas numéricas deverá ser trabalhada com quadros de pregas, jogos confeccionados pelos alunos e professor, material curisineire ou material dourado. Procurar realizar as contas em papel quadriculado, determinando as casas de unidade, dezena, centena e milhar. O uso do computador também é outro recurso. Existem joguinhos e exercícios que podem ser adquiridos e usados, são os softwares educativos.

    • Os problemas de memória a curto prazo e as dificuldades de compreensão do sistema de valor da posição, podem dificultar. A ajuda mais adequada é ir guiando o manejo da conta: transportar o número, escrever em cima ou do lado qual numero que elevou ou tirou.

    • Outras complicações podem aparecer na divisão. Também é importante usar a forma passo a passo:

    • A troca, a inversão e a direção dos números acontece. Exemplo: 3 por 5, ou escrever em espelho, mudar a orientação. Requerem atividades com numerais em relevo, de diversas texturas. Nesta situação o que precisa ser trabalhado são as imagens mentais, funções sensoriais e cinestésicas. Exemplo: brincadeira de colocar vários números de diversos tamanhos e formas num saquinho e pedir para a criança vendada retirar um. Depois tateá-lo e escrever na lousa ou no papel. Estamos estimulando a imagem mental, orientação espacial e sensibilidade tátil-cinestésica.


      • Na área geométrica procurar sempre construir as figuras geométricas, medí-las para achar o perímetro. O emprego dos blocos lógicos é importante, bem como as diversas formas, dimensões, espessuras, tamanhos e cores. Usar coisas do dia-a-dia. Exemplo: Pegar uma caixa de sapatos e descobrir suas medidas, como foi feita a caixa, desmontar e montar, ver que forma é, realizar operações matemáticas para achar suas dimensões, quanto preciso de papel para encapá-la, fazer outra de tamanho diferente, forma diferente.

      • Sistema Monetário: nada melhor que o tradicional, jogo do Banco Imobiliário. Confeccionar cédulas e moedas de papelão com vários valores, talões de cheques para aprender a escrever por extenso, desenhar as cédulas, observando os detalhes, a cor, o uso das moedas como centavos. Brincar de supermercado, para estabelecer valores das coisas, por consequência efetuar as operações fundamentais. O raciocínio em problemas deverá sempre ser realizado através do concreto e depois efetuar a solução. Usar calculadoras, contador, ábaco.

      Proponho o seguinte esquema conceitual ( Fonseca, 1988):


      CONSIDERAÇÕES FINAIS

      A satisfação das necessidades e dos valores da criança deve ser altamente respeitada. Sabemos que o corpo é algo absolutamente importante na vida afetiva do ser humano. As relações corporais entre o feto e mãe, preparam para todas as noções cognitivas e afetivas futuras.
      Desta primitiva estrutura simbiótica surgem às ligações relacionais, posteriormente o primeiro sorriso do bebê, os sinais de contentamento, as conquistas do seu desenvolvimento gradativamente vão aparecendo.
      A importância da outra pessoa no desenvolvimento da noção do corpo é fundamental. A consciência de si se constrói pouco a pouco. É para o outro que a criança dirige todas as suas potencialidades afetivas, que são a base de seus investimentos motores sobre o mundo.
      A autora Alícia Fernandes (1998) descreve em seu livro os “corpos cadernos” - o corpo dos alunos tendo seu representante simbólico o caderno na sala de aula. Ao olharmos mais atentamente a maneira que a criança se relaciona com seu material escolar, sua caligrafia, seu jeito de comporta-se; vamos nos aproximando de como esta criança se sente, e como reflete seus afetos, sua motricidade, nos seus pertences.
      Segundo Piaget, o mundo exterior é para a criança uma totalidade alimentada por esquemas sensorio-motores: ação, objeto, corpo e mundo exterior constituem uma estrutura totalizante. A construção da imagem corporal, feita a partir dos dados afetivos, cinestésicos, vestibulares (equilíbrio), visuais, auditivos, sensitivos, insere-se em toda a história vivida do individuo.
      Pelo exposto, trabalhar a criança, jovem ou adulto com dislexia, é antes de tudo, atender uma necessidade daquele ser humano inteiro. Sendo assim, partimos do pressuposto do ser criativo/criador, que deverá ser investido em seus aspectos globais: afetivo-relacional, psicomotor, cognitivo, pedagógico e social.


      BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:

      “O Ser e o Viver”
      Julio de Mello Filho
      Ed. Artes Médicas

      “Dislexia”
      J. Ajuriaguerra
      Ed. Artes Médicas

      “Inteligência Aprisionada”
      Alicia Fernandes
      Ed. Artes Médicas

      “Psicomotricidade”
      Vitor da Fonseca
      Ed. Martins Fontes

      “O Nascimento da Inteligência na Criança”
      Jean Piaget
      Ed. Imago